Uma conversa compreende a linha-mestra do trabalho artístico que o fotógrafo Alexandre Martins desenvolve desde a década de 1980, ao captara paisagem humana de Ouro Preto e suas manifestações gestuais.
Nesta exposição, Alexandre tece fios que amarram os sentidos do espetáculo inesperado e, ao mesmo tempo, discreto que é a conversa entre pessoas nas ruas. Um dedo de prosa na esquina, no beco e no adro, de uma janela para outra, na saída da missa, na porta da igreja e na mercearia, dentro de oficinas e botecos.
Não é a imagem convencional de Ouro Preto – o telhado, a verga, a cimalha, a pedra do muro e calçamento, a torre, o chafariz – que o fotógrafo busca como tema. A identificação sentimental e espiritual com a cidade é que o orienta na procura do alvo mais valioso e mais eterno talvez – o homem, a mulher, a criança que vivem no espaço ouro-pretano e nele se integram. A arquitetura colonial deixa então de ser cenário e se valoriza ainda mais ao assumir, na imagem fotografada, o sentido legítimo de casa, habitação e morada.
Ela consegue, portanto, o prodígio da arte: captar o detalhe fugaz de uma conversa em seu lugar privilegiado, tornando-o universal e eterno. Por isso, sua fotografia é superior. Por isso, é precário comentá-la no estrito domínio da imagem que apenas disseca linhas e traços e não revela a humanidade ali presente.
Cada fotografia tem um significado exclusivo, o enredo de uma história. Por isso, é fácil entendê-la com o coração e participar dela, inventando a vida ou revivendo o que se viveu. Por isso, uma vez vista, a foto torna-se necessária, passa a fazer parte de cada espectador mesmo que ele não se dê conta disso. Precisávamos dela para alargar nosso horizonte de experiência estética, essa forma de conhecimento que o Belo nos proporciona. Precisávamos dela para reparar formas gestuais que nos caracterizam em Ouro Preto. Precisávamos dela para rever rostos familiares ou nos lembrar de pessoas com quem, muitas vezes, nunca trocamos palavra. Enfim, precisávamos dela porque, tal como a ficção, a fotografia cria um mundo de encantamento contíguo à realidade, e todos precisamos dessa fantasia para viver.
A fotografia de Alexandre Martins filia-se à grande invenção do século XIX cuja primeira notícia chegou a Ouro Preto no longínquo ano de 1845 com o fotógrafo Hipólito Lavenue que instalou sua oficina no Largo da Alegria, para deslumbramento das pessoas que poderiam ver a própria imagem reproduzida pelas chapas fotográficas. Desde então, a cidade atrai fotógrafos.
Alexandre Martins continua a tradição e renova a cidade, fotografada de corpo e alma. É o mesmo Ouro Preto – se pensarmos que a cidade tem uma espécie de essência que lhe dá singularidade – e sempre um Ouro Preto recriado por seu olhar de interlocutor que procura compreender gestos singelos de conversa que escapam ao olhar comum.
Esses gestos são expressões genuínas de cultura aos quais, etéreos e quase fluidos ao registro, e tão habituais, simples e reiterativos, se dá pouca atenção. As lentes de Alexandre Martins colhem, então, esse resíduo, essa matéria fugaz e a transformam em conversa com a cidade.
E nós, moradores da cidade, seduzidos pela beleza dessa fotografia, entramos na conversa e nela nos reconhecemos.
M.Francelina Ibrahim Drummond - Ouro Preto, 2015