Ouro Preto Corpo e Alma

Desde que comecei a fotografar, em 1980, enquanto cursava Arquitetura, a fotografia se tornou essencial para mim, pelo encanto desse gesto de ver, recortar e reter cenas da vida. Conheci Ouro Preto em 1981, ainda estudante, e desde então essa cidade se tornou meu tema favorito, minha paixão, por sua história, sua cultura, sua arte, sua paisagem urbana e sua gente, que proporcionam o belo e o extraordinário.

Do encantamento inicial pela arquitetura e do encontro com a caprichosa sinuosidade das ladeiras, logo veio a identificação plena com Ouro Preto e o desejo de buscar sua imagem. Não para desvendar segredos, mas simplesmente para, através da fotografia, buscando a vida evidente e latente de cada instante, corresponder ao ser mineiro ouro-pretano em sua profunda relação com a inusitada paisagem, tradução do espírito do lugar, onde corpo e alma são uma coisa só.

Ouro Preto representa e guarda as raízes mais profundas de Minas e vive banhada por luzes quase sempre resvalando em diagonal pelas superfícies, em virtude do abrupto e surpreendente sítio natural e da consequente configuração urbana que proporcionam perspectivas ímpares. Nelas surgem brilhos, reflexos e sombras especiais, ou ainda impressionantes nevoeiros, infelizmente já não tão frequentes e densos como no passado. A vida acontece nesse cenário.

As fotografias deste livro, todas feitas em filme negativo preto e branco, de 1983 a 2007, compuseram, inicialmente, uma exposição e representam uma primeira síntese do trabalho em desenvolvimento. Foram realizadas sem um roteiro rígido, mas dentro de uma observação contextualizada das formas, luzes e movimentos, em demoradas caminhadas e esperas, quando muitas vezes foi preciso superar a angústia, diante de deformidades sofridas pela cidade ao longo do tempo. Estão organizadas em quatro séries que se completam através do modo de ver, embora tenham também vida própria por se realizarem em diferentes subtemas.

Caminharemos a partir de enfoques lúdicos sobre a arquitetura da cidade, que nunca se mostra totalmente; passando por silhuetas que evocam quimeras e silêncios, nos perfis e gestos fundidos como que inseparáveis; seguindo por sombras insistentes que provocam a história e os segredos, a memória, de cada um contra a pedra; finalmente, chegaremos às cenas singelas e triviais do cotidiano, onde as pessoas, consubstanciadas nas suas paisagens coletivas e individuais, tecem a vida. Tudo apenas permitindo desconfiar sobre o modo de ser e viver das pessoas em Ouro Preto. Sempre indagando mais do que revelando, porque aqui, tudo é Minas.

Alexandre Martins