Alexandre Martins retoma o tema central de sua arte: colher, na fotografia, traços genuínos do viver no espaço urbano de Ouro Preto. Espaço antigo e sinuoso onde capta a passagem de homens, mulheres e crianças caminhando.
Caminhar sem fim, ação. Caminhar, deambular, andar, percorrer, ir e voltar. Caminhar, caminho, trajeto, ida e volta.
Alguém caminha. Alguém vai e volta. Percurso de uma rede sem fim de rotas, na mesma cidade, sempre e sem parar, anos e anos a fio. A peregrinação da vida sem sobressalto, cotidiana e corriqueira atrai o fotógrafo e o instiga a caminhar também.
Surge, assim, um valioso ensaio etnográfico que transita no tempo cronológico (1984 a 2017), identificando permanências no andar pelas ruas de Ouro Preto. Alexandre Martins capta o tempo existencial, de duração da vida. As fotografias, emolduradas por intenção artística e revestidas de sentido documental, em jogo de claro-escuro, tão marcante no seu trabalho, fazem o prodígio de desfamiliarizar o gestual comum, a que ordinariamente não se dá importância. O simples passa, pois, a pomposo, belo, excepcional. E as pessoas fotografadas, que espelham cada um de nós, tornam-se personagens marcantes da história.
Caminhar sem fim: há expressão mais sugestiva para caracterizar a vida?
A cidade barroca. O caminho inicial e o caminho-tronco. Os homens ajeitaram ruas, ergueram igrejas, capelas, passos e casas arrimadas umas às outras, em terrenos de ouro e montanhas desafiadoras. Ruas estreitas, travessas e becos. Ações diárias. Caminhadas.
Mas há uma caminhada mais figurativa, solitária e contemplativa que as realizadas pelas ladeiras de Ouro Preto. A caminhada no tempo. Passamos. Refazemos o gesto de caminhar. E somos guiados pelo poeta barroco: La vida es sueño. A vida é sonho. Ar, sonho, sopro, encontro de nuvens, essencialmente fugaz, etérea. Por ela passamos.
E o gesto humano que passa não existe senão aprisionado na imagem que o fotógrafo registra. A fotografia ganha dimensão surpreendente porque capta o espaço, (o entorno, a rua, a janela, o beco, o ângulo mínimo entre duas pedras, a calçada de pedra em frente à igreja, a rua que se alonga ao infinito) e o tempo (o momento único) do viver ouro-pretano: caminhar sem parar.
A ideia foi insinuada na exposição anterior, Uma Conversa, que mantém um significado inseparável deste Caminhar sem fim. Formam um original dueto – se assim podemos dizer – desta forma de expressão artística (a fotografia) que hoje tem, de fato, importância no cenário ouro-pretano. Difícil escolher o instantâneo mais inteiro e sublime!
M. Francelina Ibrahim Drummond, março de 2018